sexta-feira, 9 de abril de 2010

O início

Reproduzo um texto de Daniel Oliveira no Expresso:

A novela da lei que torna os homossexuais cidadãos iguais aos outros está a chegar ao fim. Começámos agora a fazer justiça a séculos de indignidade.


Como não podia deixar de ser, o Tribunal Constitucional não encontrou inconstitucionalidade nenhuma na lei que permite o casamento entre pessoas do mesmo sexo. O voto da esmagadora maioria dos juízes conselheiros foi claro: "não tem por efeito denegar a qualquer pessoa ou restringir o direito fundamental a contrair (ou a não contrair) casamento" e "a extensão do casamento a pessoas do mesmo sexo não contende com o reconhecimento e protecção da família como 'elemento fundamental da sociedade'".

O único artigo sobre o qual o Presidente decidiu não requerer a fiscalização constitucionalidade foi exactamente o que poderia levantar dúvidas: aquele que estipula, na prática, que um homossexual solteiro pode adoptar uma criança mas um homossexual casado não o pode fazer. Por vezes, o que parece ser uma opção moderada torna-se, pela incoerência e a cedência ao preconceito, radicalmente absurda.

Os movimentos que se dizem, não sei mandatados por quem, representantes da família (posso garantir que não representam a minha) já prometeram bater-se por um referendo. Não acontecerá. Mas se acontecesse, a minha decisão estaria tomada: não votar. Apenas porque não me sinto no direito de decidir sobre a vida dos outros, naquilo em que ela não afecta em nada a de mais ninguém. E porque não aceito que a maioria tenha o direito de tirar a alguns o que garante para si própria. A democracia não se resume à vontade da maioria. Isso tem um nome: ditadura da maioria. Em democracia garantimos que uma minoria não decide por todos, mas também garantimos que a maioria não esmaga os direitos de quem está em minoria.

Estes apelos inúteis são os últimos cartuchos de uma resistência à igualdade. Sempre assim foi quando ela foi conseguida. Também os houve quando as mulheres ganharam o direito ao voto ou os negros conquistaram, nos Estados Unidos, os direitos cívicos que lhes estavam negados. Também eles prometeram o fim do Mundo e a decadência da civilização. E cá estamos.

Um dia a homofobia será vista com o mesmo desprezo com que a maioria hoje olha para o racismo. E só nesse dia pagaremos a dívida de séculos que temos para com os homossexuais. Nenhuma ditadura os poupou, quase nenhuma Igreja os tolerou, poucas democracias lhes fizeram justiça. Foram mortos, perseguidos, desprezados, apontados a dedo. O sofrimento que lhes causámos e que lhes continuamos a causar é de tal forma brutal, quotidiano e, por isso, banal, que demorará gerações a ser esquecido.

Hoje começámos, como sociedade, a pedir-lhes desculpa. Um dia isto será apenas história. E olharemos para estes grupos que se mobilizam para impedir a felicidade alheia como grotescas memórias de um passado indigno. Aí sim, teremos acabado o que só agora começámos.

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