quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Quem tem medo de voar?

Viajar de avião é uma verdadeira tortura para os aerofóbicos. Há quem tenha ataques de pânico em pleno voo e quem sofra em terra, por antecipação. Mas o mal tem cura 

Sofia Simões de Almeida (www.expresso.pt)
Eu achei que não ia conseguir andar mais de avião. Tudo começou com uma crise de pânico durante um voo. Apanhei um poço de ar e pensei que ia morrer. Queria que abrissem as portas. Passei o resto da viagem a falar com o comissário de bordo que me tentou acalmar." O relato é de Ana, 36 anos, cuja progressão profissional - trabalha na área dos serviços financeiros - implica deslocações frequentes de avião.
Ana não é caso único. As estatísticas apontam para que 20% a 40% das pessoas sofram de aerofobia - o medo de andar de avião. Quem o diz é Cristina Albuquerque, psicóloga clínica, que trata esta fobia há quase 20 anos e que é a autora do livro "Voar Sem Medo - Guia Prático para Voar Confiante e Descontraído" (Ed. Gradiva).
"Sempre que se aborda o assunto, alguém confessa ter receio ou diz que andar de avião já foi uma experiência mais confortável", conta Ana. E Cristina Albuquerque confirma: "Há cada vez mais pessoas a pedir ajuda, porque hoje, até culturalmente, é mais fácil assumir os medos". E a procura de pedidos de ajuda aumenta no verão, em vésperas de férias.
À medida que o dia do voo se aproxima, a ansiedade aumenta. No caso dos fóbicos, como Ana, o corpo ressente-se: perdem peso, têm alterações gastrointestinais, a tensão lê-se até na expressão facial.
Uma máquina de vinte toneladas que se eleva no ar justifica algumas dúvidas. "Voar não é natural. O homem não tem asas", constata Luís Fonseca de Almeida, presidente do Instituto Nacional de Aviação Civil (INAC) e autor do prefácio do livro "Voar sem Medo". No entanto, para o presidente do INAC, não há razões objetivas para ter medo. "Não conheço um sistema tão bem regulado como este e repito o que as estatísticas dizem: o avião é o meio de transporte de massas mais seguro que existe".
Os números falam por si: a taxa de acidentes no sector da aviação é de um acidente em cada 1,4 milhões de viagens.
Mas, para quem tem medo de voar, a apresentação e evidência dos números não basta. É preciso explicar o funcionamento da máquina. No caso de Ana, era a turbulência e os ruídos que ouvia e não conseguia descodificar que lhe faziam confusão. Medos estes que são comuns à maioria dos fóbicos. João Romão, comandante de aviões na TAP, colabora desde 2006 nas consultas de aerofobia da psicóloga Cristina Albuquerque e já está habituado a responder a estas questões. O comandante explica que o avião produz ruídos, que devem ser encarados como naturais. Já sobre o receio mais comum, a turbulência, explica que "do mesmo modo que num carro em andamento existe um contacto mecânico entre a roda e a estrada, neste caso o contacto é entre o avião e a atmosfera". E acrescenta: "É como andar de barco num dia de mar agitado."

Ataques de pânico


Foi numa situação de instabilidade que Ana sofreu o primeiro ataque de pânico a bordo de um avião. Cristina Albuquerque explica que o ataque é como uma descarga do corpo que pode acontecer tanto num avião como num centro comercial, por exemplo. Não deve mesmo ser estabelecida uma relação direta entre o avião e o ataque de pânico, porque é essa convicção que, muitas vezes, está na origem do desenvolvimento da aerofobia.
Depois do ataque, foi a ajuda do comissário de bordo que permitiu a Ana suportar o medo até fim da viagem. "Nós olhamos para os tripulantes de cabina como auxiliares que servem Coca-Cola. Mas eles são mais que isso: são agentes de segurança", sustenta Cristina Albuquerque. A psicóloga sublinha a importância da tripulação, mas considera que a formação está concentrada sobretudo nos aspetos técnicos da aviação, esquecendo o lado humano. A tripulação não tem uma formação específica para lidar com aerofóbicos, por exemplo. O comandante João Romão concorda e acredita que há espaço para essa formação. "Para os pilotos podia haver uma formação sobre o cuidado a ter com a linguagem. É diferente dizer: 'Prevê-se que em três horas haja turbulência' ou 'Prevê-se que em três horas haja instabilidade.'"
A viagem traumática de Ana foi há quatro anos. Há dois decidiu pedir ajuda especializada e desde então regressou às viagens aéreas. Para ultrapassar a ansiedade faz exercícios recomendados no livro "Voar Sem Medo", como a técnica do balão (concentrar a atenção em inspirar e expirar). Cristina Albuquerque explica que, em média, a "cura" desta fobia requer cinco a dez sessões de tratamento, sendo a última um "voo terapêutico" - médico e paciente viajam juntos de avião. No fim do ano passado, Ana regressava de Palma de Maiorca e os papéis inverteram-se. "Entrei no avião e procurei o meu lugar junto à janela. A senhora ao meu lado estava de óculos escuros, agarrada à mala como se não houvesse amanhã e começou a dizer: 'Vou morrer! Vou morrer!' . Dei-lhe as minhas folhas com os exercícios para se acalmar. Ninguém esperava, mas eu é que ajudei a controlar a ansiedade."

Dicas para


viajar tranquilo


Durma bem na véspera - se estiver cansado, o sistema nervoso vai estar mais reativo
Faça tudo com tempo (as malas, a partida para o aeroporto)
Distraia-se a bordo (converse, leia, ouça música)
Esqueça os estimulantes (cafeína, teína...)
Evite bebidas alcoólicas
Não se automedique
Publicado na Revista Única do Expresso de 7 de agosto de 2010
 

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